Wednesday, October 8, 2014

Minhas filhas - A rotina da neonatal


Um dia após o outro...

Os meses que se seguiram (setenta e dois dias para ser exato) criaram uma rotina cruel, que deixaria marcas para sempre em todos. As visitas aconteciam diariamente as 14 horas e, enquanto minha esposa ficava no hospital ate o final do dia, eu me limitava a no máximo uma hora. O caminho ate a neonatal era longo, os corredores do hospital pareciam nunca acabar. Eu os percorria olhando para baixo, pedindo para que encontrasse boas noticias. A neonatal era, como esperado, silenciosa, fato que fazia os alarmes dos aparelhos ainda mais ensurdecedores. Na maioria das vezes, passava mais tempo olhando para os números e aparelhos do que para as próprias meninas. Oxímetro, CPAP, monitores... proviam vida para as meninas ao mesmo tempo que tiravam um pouco da nossa.

Já não contávamos mais o tempo em dias, mas em gramas. Trinta delas (e apenas 30) faziam do dia um ótimo dia.

Desde o começo soubemos que a situação não era a mesma para ambas meninas. Nesse meio tempo, ao me informar sobre os prognósticos de uma gestação interrompida com 27 semanas, sentia uma angustia que extrapolava para a parte física.

Cada medico tinha o seu próprio jeito de nos deixar informados, alguns sérios e pragmáticos, outros mais extrovertidos. Os dias se dividiam em antes e depois da conversa com eles; boas noticias nos garantiam pelo menos 24 horas de tranquilidade.

Olhar pelo vidro da incubadora era como assistir a gestação que nao acabara. Raras vezes elas abriam os olhos mas, mesmo ali fora aonde nao deveriam estar, nao conseguiam nos enxergar.

Assim se passaram os dias, sem que nos nao imaginássemos tudo que estava por vir...

Tuesday, October 7, 2014

Minhas filhas - Nascimento


Para Manuella...

Remexer nosso baú de memórias é, inevitavelmente, doloroso... ora nos faz melancólicos por momentos que não voltam,  ora nos traz a memória sofrimentos que nos atormentam. Faço aqui o meu esforço.

Sempre fui uma pessoa pragmática,  planejei o seu nascimento cuidadosamente. Tinha acabado de adquirir moradia, me sentia seguro. Queria dar ao meu primogênito o sentimento de cumplicidade que só irmãos possuem e decidimos finalmente te-la o que, para nossa surpresa, não tardou a acontecer.

Quando recebi a notícia de que junto você havia outra vida, cometi um erro e, ao invés de entender o presente que estava recebendo, fiquei amedrontado com a responsabilidade. A equação que tinha planejado cuidadosamente agora recebia uma nova variável, não tinha mais sua resposta. Não compreendi que ela se resolveria de qualquer maneira.

A gravidez foi complicada do começo ao fim, que aconteceu antes de quando deveria. Me lembro das palavras da médica no dia anterior ao seu nascimento, que ficariam me remoendo a alma depois:

- "Nossa meta agora se torna 32 semanas, antes disso os bebês não tem chance".

Lembrava disso no caminho ao hospital, pedia para que você não nascesse, por mais irônico fosse. Você estava com 27 semanas e, minha mente lógica tirava suas conclusões precipitadas.

Eternos segundos se passaram quando recebemos a noticia de que a bolsa havia se rompido,  tornando inevitável o parto. Todas tentativas de atrasar o nascimento iam em vão. Confesso que não entendia, no momento, a gravidade do que estava por vir. Andava pelo hospital sem destino, esperando por qual noticia que fosse sobre o parto, que não tardaram a chegar. Soube, algum tempo depois, que a medica somente me dissera o necessário, que as duas estavam bem. Ela decidiu me poupar dos detalhes, de como o parto foi complicado, fato que hoje agradeço.

Foi somente dias depois que pude a ver as meninas, e foi nesse momento que me mais me amedrontei. Não possuo o dom da escrita suficiente pra descrever o quão pequenas e frágeis sua irma e você eram. Não as ouvi chorar, não tirei a foto com mãe e filhas que tanto havíamos planejado, não as peguei no colo... tampouco as toquei.

Também não tinha ideia de tudo que viria pela frente, simplesmente acompanhava o tempo passar, já que não tinha mesmo escolha. Os dias que se seguiram foram os mais difíceis que já passei e eles viriam, estando eu pronto ou não.